Scheibe Critischer Musikus 1
Número 1.
Terça-feira, 5 de março de 1737.
[Propósitos do Músico Crítico e declaração das circunstâncias em que a música tem sido encontrada até os dias atuais].
Quid deceat, quid non, quo virtus, quo ferat error. Horácio
Do que é decente ou não, qual é a norma; / onde a arte, onde o erro guia.
O que é adequado, o que não é; a que leva a virtude, a que o erro.
(Horácio, Ad Pisones, v. 308.)
Finalmente, o barbarismo que prevalecia nas ciências foi quase completamente erradicado em algumas partes de nossa amada Alemanha. Graças às melhores pesquisas críticas, vemos a poesia e a oratória tão aperfeiçoadas, que não haveria nenhuma vantagem a ser concedida a elas pelos franceses, antes tidos como seus únicos mestres. O bom gosto começa a reinar, e assim começamos a sentir como são felizes aqueles que seguem a razão e a natureza com um discernimento claro.
Somente a música está faltando. Essa nobre ciência ainda exige todos os esforços que já foram despendidos nas outras. Ela ainda está tão confusa que colocá-la em uma ordem razoável ainda custará a nós e a nossos sucessores tempo e trabalho. Até agora, temos sido ajudados principalmente por imitações. A compreensão, como se pode imaginar, foi totalmente negligenciada e não tem mais valor do que o de um ouvido ruim. Estamos satisfeitos com uma garganta italiana que nos canta um monte de acrobacias, trinados, ondulações, saltos e outras chamadas extensões artificiais de sílabas, tornadas ainda mais incompreensíveis, se necessário, por meio de um leve acompanhamento instrumental. Nesse meio tempo, o grande artista aspira a compor uma harmonia que, para os italianos, é de pouca importância; mas que diferença isso faz? A harmonia é algo muito vulgar para esses espíritos elevados. Em outras palavras: quem se daria ao trabalho de dar mais força a uma melodia por meio da boa combinação de várias partes? Isso prejudicaria a colorida e sinuosa voz principal e, além disso, contrariaria a moda que foi trazida da Itália.
Nossas próprias forças nos pareceram escassas. Demos emprego a estrangeiros para nos confundir com suas contorções antinaturais e fantasias delirantes.
Dizem que a música foi amplamente expandida pelos italianos, e devemos agradecer às suas invenções as mais belas proporções, as melhores formas de canto e muitas outras coisas. Mas tudo isso não nos impede de dizer que os italianos são os maiores culpados pela decadência em que a música se encontra entre pessoas cultas e sensatas, e da qual dificilmente pode sair, mesmo com os maiores esforços (1). Essa é uma verdade que dificilmente precisa de qualquer demonstração; tanto mais fácil será para mim convencer, nas páginas seguintes, aqueles que ainda abrigam quaisquer dúvidas sobre o assunto.
A noção preconcebida das belezas da música italiana seduziu muitos compositores e músicos alemães. Mas o que mais eles poderiam fazer? As únicas pessoas que cultivavam o gosto eram justamente aquelas que não tinham noção de bom gosto e que talvez tivessem estado uma vez na Itália, onde haviam assimilado uma canção preguiçosa, a positura frívola de uma cantora voluptuosa, o grito rouco de um impotente, uma ária confusamente composta e cantada em uma forma ainda mais repugnante, entrelaçada com grandes saltos e jeribeques maravilhosos, ou talvez um ruído inerte de vários instrumentos, nos quais não se podia encontrar nenhuma harmonia ou melodia.
Esses, portanto, eram os que insistiam em seguir cegamente os italianos. O que quer que um alemão tivesse escrito com um discurso mais elaborado era considerado simples, grosseiro e baixo; e, no entanto, ele havia expressado a natureza e as paixões da maneira mais notável. Enquanto isso, na verdade, essa opinião contribuiu para o fato de que em uma única cidade havia dez vezes mais Meistersänger ["mestres cantores"], ou compositores vaidosos, do que se teria procurado em vão em toda uma província.
A música já era uma coisa fácil. Para compor uma peça musical, não era necessário nenhum entendimento baseado em outras ciências. Esse conhecimento teria sido muito mal empregado se tivesse sido ocupado em coisas tão fáceis. Inventar coloraturas e coisas do gênero - que até mesmo cantores e instrumentistas prescreviam ao compositor - era, por si só, belo demais para insistir em se martirizar com a expressão das paixões, com as várias seções da harmonia e com a reflexão criteriosa. Naquela época, todos estavam atentos a essa vã melodia; houve um grito geral de júbilo e exultação por terem encontrado, finalmente, o belo na música.
Esse curso insensato de ação deu à música o golpe de misericórdia. Os tribunais também foram infectados ao mesmo tempo pelo número de pessoas que pensavam dessa maneira. A música não era composta, cantada ou tocada de outra forma que não a que descrevi até agora, e que ainda tem de ser suportada diariamente com a maior aversão pelo entendimento.
Não demorou muito para que outro preconceito caísse por terra. Era o de que o instrumento não fazia nada além de harmonias. A melodia não tinha valor. A pessoa queria ser forçada a compor na igreja, na corte e até mesmo no teatro. Não se via ou ouvia nada além de cânones, contraponto, Zirckelgesänge [também "cânones"] e coisas do gênero, fossem elas apropriadas ou não. Essas ilusões foram vigorosamente combatidas. Os antigos também foram abordados; em particular, o assunto ratione ["de proporção"] e auditu ["de audição"] e, consequentemente, a disputa dos pitagóricos e aristoxênios, uma vez resolvida por um Ptolomeu, não totalmente infeliz. Esses esforços finalmente deram frutos, pois os cânones e os contrapontos musicais começaram a ser vistos com olhos mais razoáveis e a agradar mais ao ouvido do que antes. E tudo isso teria sido muito bom, se não tivesse dado ocasião para aumentar a ignorância dos compositores triviais, seguidores cegos dos italianos. Eles tinham ouvido e lido que um compositor deveria se esforçar para encantar o ouvido. Mas eles não interpretaram essa frase como deveria ser interpretada e entendida, porque não conseguiam entender que o ouvido é apenas um canal, por meio do qual o entendimento percebe a música que depois será avaliada e julgada.
Até mesmo nos prazeres a razão deve reinar; por que não se deve dar a ela um lugar no julgamento e na criação da música, se ela é a rainha de todos os prazeres? Os filósofos mais antigos, e muitos dos mais recentes, sempre se pronunciaram favoravelmente a ela; até mesmo nossos maiores teólogos. E tem havido um consenso em afirmar que a música é a melhor para despertar e alegrar o espírito e, finalmente, para louvar a Deus.
No entanto, em vão se busca aquilo para o qual esses louvores são consagrados a Ele. Em pouquíssimas composições musicais se encontra uma verdadeira expressão de afeto. Em geral, falta o que é elevado, o que é enfático, o que é dado pela harmonia e pela meditação criteriosa. Em vão se busca na igreja um convite ao recolhimento e ao exercício da piedade, ou, no teatro, a expressão dos afetos, a ordem e o natural, ou, na música de câmara, uma diversão do espírito; quando é precisamente na companhia dos santos que se deve ser sempre piedoso, e nos outros gêneros de música onde o natural, a ordem e uma verdadeira e sensível diversão e excitação do espírito são infalivelmente necessários.
Seriam necessários hoje um Aristides Quintiliano, tanto para induzir o mundo a uma contemplação, composição e execução mais razoáveis da música, quanto para inspirá-lo a uma maior estima por ela. Séculos felizes, aqueles em que os maiores filósofos foram ao mesmo tempo os maiores mestres da música, pelos quais os jovens - seus alunos - e até mesmo toda a república, foram estimulados a aprendê-la e exercitá-la da maneira mais enfática! Pois nela eles não apenas buscavam, mas de fato encontravam os primeiros vislumbres da virtude, da paciência e da mais agradável instigação para o estudo das ciências.
Hoje, por outro lado, muitas pessoas sensatas - notamos com consternação - encontram na música atual um veneno secreto, perigoso para os espíritos jovens, pois é capaz de enredá-los nos maiores prazeres da maneira mais encantadora. De fato, é preciso se espantar ao ver esses efeitos cruéis, que para os antigos eram inéditos, impossíveis e contrários a toda ordem natural.
Quão necessária e proveitosa para a música, portanto, seria uma reforma geral! Na verdade, quem duvidasse disso estaria indo contra todas as concepções sensatas. Como será belo o dia em que nem outras ciências, nem nossa própria consciência, poderão nos acusar de negligência! Portanto, meus queridos compatriotas, vamos dar início a essa grande obra! Vamos nos livrar do antinatural e do desprezível que tomamos emprestado dos estrangeiros, em nosso próprio prejuízo e em prejuízo da música! Vamos finalmente introduzir o bom gosto também na música! Por que essa nobre ciência não deveria ser estudada com tanta ordem, fundamentada com tanta solidez, examinada com tanta clareza e exercitada com tanto proveito e ênfase quanto as outras ciências? Como seremos felizes quando, finalmente, quisermos usar nossa própria razão dessa maneira! Como será doce quando a música também for sentida pelos jovens como necessária e edificante, encorajando o homem de meia-idade em seus deveres e, por fim, agradável e encantadora para o idoso!
Muitos dos atuais professores de música alemães já desejavam isso há muito tempo. Seu discernimento os persuadiu de que o gosto predominante até então, via de regra, não passava de algo frívolo e vazio, que não encontra fundamento nem mesmo em uma mente fantástica, muito menos resiste à compreensão. Esses excelentes homens são mais do que bem conhecidos. Já os vimos muitas vezes rejeitar inteligentemente erros inveterados. Acima de tudo, quem não conhece alguns célebres virtuoses nascidos na Alemanha que, mesmo quando cercados por enxames de italianos orgulhosos e efeminados, demonstram quase que diariamente sua compreensão do bom gosto?
Meu caro leitor, julgue por si mesmo se este trabalho, a ser continuado a cada quatorze dias, pode ser útil ou não. O título destas páginas lhe dará imediatamente uma ideia de minhas intenções. A crítica tem prestado tão grandes serviços à filosofia, à poesia, à oratória e, em suma, a todas as ciências, que não preciso apontar ou mencionar um por um seus magníficos frutos e seus benefícios. Todos os que fazem uso da razão os conhecerão. Aqueles que a desprezam, acredito, não conhecem sua virtude, ou talvez tenham sofrido uma diminuição em seu entendimento. Falo de uma crítica razoável, pois qualquer outra seria um absurdo.
Portanto, você está lidando com um músico crítico. Agora, minhas observações devem seguir um caminho diferente do que você pode ter imaginado quando leu esse título. (2) Eu me preocuparei apenas com o bom gosto, de modo que esses cadernos possam ser úteis para letrados e iletrados, mas, acima de tudo, para compositores tolos e imitadores cegos dos italianos. Em breve falarei de assuntos práticos e teóricos. Talvez meus assuntos exijam que eu examine questões de poesia, física ou moral; em todo caso, sempre serei guiado pelas leis da filosofia e suas partes. Além disso, acredito firmemente que um compositor deve ter um conhecimento preciso da filosofia e, da filosofia em particular, da física e da moral. Quando for relevante, também apontarei as diferenças entre a música francesa, italiana e outras. Mas o mais importante é que todo esse empreendimento abrirá caminho para, por meio de um sistema completo, levar as partes e os fundamentos da música mais facilmente à certeza que lhes é devida. (3)
Enquanto isso, peço a todos os compositores alemães bem-intencionados que considerem estas páginas como elas merecem; e que me admoestem educadamente, se alguma vez acharem que estou errando. Não escrevo com um desejo desdenhoso de censurar: é a verdade que me faz empunhar minha caneta. Portanto, farei o máximo possível para prestar ao meu país, a todos os amantes da música e, finalmente, a todos os compositores, grandes ou pequenos, os serviços aos quais um homem sensato está, em qualquer caso, obrigado, de acordo com o direito da natureza e da razão.
1-
Sinto-me compelido a extirpar de alguns de meus leitores o preconceito infundado que eles podem ter formado a meu respeito, se acreditarem que estou tentando condenar a música dos italianos toda vez que menciono esse povo. Tal suspeita desaparecerá assim que alguém se esforçar para examinar todas essas passagens chocantes com mais atenção. Não estou criticando toda a música italiana; quero apenas apontar as falhas que podem ser aparentes nela. Quem não for um admirador cego dessa nação não argumentará - contra toda a razão - que eu deveria ter feito vista grossa a esses defeitos. E, nesse momento, ele terá ainda mais certeza de que eu não vou colocar os defeitos de alguns compositores italianos na conta de toda a nação.
Mas quem pode ignorar o fato de que há muito poucos bons compositores na Itália atualmente? Isso é confirmado pelo seguinte trecho de uma carta escrita por um dos maiores mestres da música a um de seus amigos: "Entre os compositores italianos", escreve ele, "que têm a melhor reputação atualmente estão B. e L., mas basta ver uma de suas pautas para reconhecer o pássaro por suas penas". Esse testemunho é ainda mais bem fundamentado, porque o célebre homem de quem ele vem deixou a Itália há pouco tempo e, portanto, conhece perfeitamente o estado em que a música se encontra atualmente no país.
Finalmente, devo fazer uma observação sobre o conteúdo muito importante deste primeiro número. Nele, tento mostrar de que maneira tantos defeitos foram gradualmente introduzidos na música. Alguém poderia me objetar, com razão, que as obras de nossos maiores compositores são igualmente um reflexo do melhor gosto. A isso eu respondo, no entanto, que sei disso, e é exatamente por isso que terei a oportunidade de falar em outro lugar sobre as virtudes da música atual. Mas, por outro lado, quem não sabe como é pequeno o número de pessoas capazes, como nossa época está cheia de escritores miseráveis e como poucas pessoas têm um conceito preciso de música? A maioria dos que sabem, bem como dos próprios compositores e músicos, ainda está na mais densa névoa da ignorância. Quem levará a mal se eu tentar desviar essas pessoas equivocadas?
2- Como o Sr. Mattheson remeteu essa passagem à sua Critica Musical, publicada há alguns anos, e como, para dizer a verdade, não se pode negar que ela dá a impressão de que eu havia apontado para a referida obra matthesoniana, eu não poderia deixar de - cortês e repetidamente convocado pelo Sr. Mattheson - não poderia deixar de, eu digo, dar-lhe satisfação sobre esse ponto, e dar-lhe a devida explicação. Meus leitores a encontrarão, então, no número 43, e interpretarão essa passagem de acordo.
3- Não posso deixar de citar aqui as palavras do Sr. M[agister] Mizler - membro e secretário da Sociedade Musical de Leipzig - em sua Musikalische Bibliothek, e expresso meus mais sinceros agradecimentos a ele pela maneira comovente com que foi tão gentil em me transmitir como devo meditar bem sobre minhas palavras. Ele escreve na página 56 do primeiro volume: "Se o autor pensa, com estas páginas, abrir caminho para a certeza das partes da música por meio de um sistema completo, certamente é acreditar demais. Que o autor tenha em mente o que ele quer dizer com "um sistema completo". Eu mesmo mostrei desde o início neste livro (a Musikalische Bibliothek) o que é necessário para isso, e chamo tudo pelo nome, exceto a poesia e a oratória, parentes próximos da música, como suas irmãs. Esse é um campo muito grande e vasto, pois nele muitas ciências devem andar de mãos dadas. A julgar por suas palavras - "vamos olhar apenas para o bom gosto" - sua gazeta contém apenas uma intenção disso e, de certa forma, orienta os conhecedores de música em sua imitação da natureza. Ela abre o caminho, portanto, para que eles adotem um sistema completo mais prontamente no futuro". Certamente, o Sr. M. Mizler possui um extraordinário dom de clareza e misericórdia para com aqueles que ele deseja corrigir. Ele é tão perspicaz que sabe como descobrir falhas até mesmo onde outros não o fariam. No entanto, ele é tão benevolente ao descobrir nossos erros que é preciso agradecê-lo. Como ele me faz refletir paternalmente sobre a alusão que fiz nestas páginas à palavra "sistema"! "Quem não se comoveria com um suspiro tão sincero? Sim, caro Sr. Mizler! Admito minha fraqueza. Sua exposição me comove e, ao mesmo tempo, me convence de que somente o senhor possui uma compreensão tão profunda a ponto de fornecer ao mundo, um dia, um sistema completo de música. E embora seu julgamento seja muitas vezes prematuro, isso não diminui seu excelente julgamento. Ele está muito acima de todas essas ninharias que, de outra forma, devem ser observadas em toda crítica razoável. Seu espírito livre despreza todas essas regras. Ele é um juiz de arte para si mesmo, e não para outras pessoas. E todas essas grandes qualidades nos asseguram que ele, por meio de seu sistema musical, acenderá no mundo uma luz para a qual, por medo de ficar cego, não será capaz nem mesmo de direcionar os olhos.
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